quarta-feira, 20 de junho de 2018

True Story


Esta poderia ser uma daquelas histórias que escutamos no final de noite, quando não há mais nada a dizer. Poderia ser sim, mas não é. Esta é uma história. True Story.

E lá estava eu, sentado, quieto, aguardando o ônibus iniciar sua partida. Seria uma viajem de aproximadamente doze horas entre Belo Horizonte a Brasilia. Iria visitar meu filho, um lindo filho, diga-se de passagem, que mora naquela cidade seca, de grandes avenidas e muitos shoppings. Gosto mesmo são dos parques de lá, onde posso correr sem a preocupação de trombar com uma capivara ou uma nuvem preta de mosquitos, do qual eu já engoli um. Bom acho que era mosquito, mas isto é outra true story.  Como eu estava dizendo, estava sentado e entrou uma senhora gorda com uma criança. Ela veio em minha direção com aquele olhar de quem vai te pedir algo. Veio cadeira por cadeira. A cada cadeira que passava eu pensava: Senta aí, vai. A mulher passava pelos assentos e aproximava de mim. Eu numa agonia sem fim, afinal seria uma mulher gorda e uma criança durante doze horas de estrada. Ela com certeza iria abrir aqueles sacos de Doritos que tem cheiro de barata e com certeza iria esparramar aquilo para todo lado a viagem inteira.  Ela foi chegando e chegou. 
O ônibus era tipo leito. Aliás fica aqui registrado que eu não sei o que significa a palavra "leito" para os fabricantes de ônibus. Porque quando anunciam dizem LEITO e aí você pensa, nossa deve se uma cama king sizer hiper mega super plus macia e grande, com espaços para as pernas, braços, bunda e toda sorte de gordura que você por ventura tenha. Mas aí, quando você entra no bendito ônibus tem uma cama de solteiro, daquelas que usavam antigamente, uma de dobrar. Lembra? Então é assim o tal do leito. Não tem onde colocar os braços, as pernas. Com meia hora a bunda começa a queimar, as costas começam a ficar dormentes. A cabeça não tem sossego. Vira para um lado. Vira para o outro e o que acontece é uma dor terrível no pescoço. Mas afinal você comprou uma passagem Leito e se com Leito é assim, pensa sem leito. Meu Deus, melhor voltar para a mulher. 
Ela chegou perto de mim, com um olhar angelical, quase meio que Garfield. Parece que neste momento uma música toca nos ouvidos da gente e aí se perde o senso da razão. Ela disse: moço, o senhor se incomodaria de trocar de lugar com a minha filha. Ela está no banco de trás e eu neste. Eu, neste momento áureo de singeleza garfieldiana, imaginei que estava salvo de ser amarrotado por doze horas no espaço do meu "confortável” Leito. Claro que sim, respondi. 
Olha, confesso que ajudei a colocar a bagagem de mão naquele lugar acima do assento. E por falar em bagagem de mão. O que é uma bagagem de mão? Com a nova ordem de economia das empresas de transportes a bagagem de mão foi diminuindo, diminuindo e hoje é bagagem de uma mão. Vou explicar: tudo que você puder carregar com uma mão só e couber numa maleta, é uma bagagem de uma mão. Assim sua bagagem de mão só cabe coisas supérfluas. Pois bem, eu troquei de lugar com a mulher e fui para o assento de trás. Bom para todos, iniciamos a viagem. 
Estava eu dormindo quando senti o ônibus parar. Olhei tentando identificar o local onde estávamos. Aproveitei para sondar o banco da frente e confirmar que eu havia me dado bem, pois o assento do meu lado estava vazio. Era eu e o meu assento Leito e do lado outro assento Leito. Maravilha. Olhei para o banco da frente e a mulher estava mastigando aquele salgadinho com cheiro de barata. Confesso que esbocei um sorriso de satisfação. 
Alegria de pobre dura pouco e descobri isto quando olhei e veio um cara gigantesco. Imediatamente olhei para ver se havia outro assento vazio além do meu. Não havia. Ele veio e sentou como se tivesse afundado a poltrona no chão. Cumprimentou-me com educação e uma voz fina, meio que pigarreada. Ele tinha um cheiro fétido de enxofre. Acho que devido ao suor de dias, meses, anos, décadas impregnado nas roupas. Saudade me deu do cheiro da barata.
Bom bora lá terminar a primeira parte desta true story.
A primeira coisa que ele fez, adivinha? Ele enfiou a mão num bolsa e tirou um saco de supermercado cheio de pipocas, destas feitas em casa que fica um terço de piruás no fundo. Começou a mastigar aquilo num "cruenk, cruenk". Mastiga de um lado da boca, depois joga para o outro lado e chuta no meio da goela. 
Eu meio sem jeito virei para o canto da janela, pois o ônibus estava já em movimento e ele disse assim: 
- Você sabe o que significa "trua istória"?  Disse isto com a boca cheia de pipoca mastigada. Disse que não. E ele insistiu: você não sabe?  "trua istória" é quando você assiste um "filmi" que é a "istória" é verdade. 
Agora pensa comigo. Como iria corrigir um estranho. Como não teve outro jeito, tive que fazer aquela correção imperceptível - ah sim! True Story. Claro que sei. Para que eu disse isto. O cara começou a contar o filme que ele tinha assistido, e com detalhes. Agora imagina eu, sentado no canto de um assento Leito com um cara que a bunda ultrapassava o assento. De um lado me espremia, do outro ocupava metade do corredor. Para potencializar minha desaventurança, havia o cheiro de barata do salgadinho que a mulher do banco da frente comia, juntado a isto, o cheiro de enxofre do cara do meu lado. Aliado ao meu infortúnio   o "cruenk, cruenk" das mordidas da pipoca. E ele ainda contava a sua "trua istória" com a boca cheia de piruá quebrado. 
Viajem seguiu e ele não parava de fala. Acho que o filme tinha dez temporadas, não era possível. Neste momento as pipocas haviam acabado e eu me alegrava porque nem cheiro de barata e som de pipoca havia. Por fim, depois de umas duas horas ou mais ele terminou o filme repetindo que era uma "trua istória”.
Houve um silêncio, pois já era umas duas da manhã e o que se ouvia era apenas o ronco do motor e o frisar dos pneus no asfalto. Dormi.
Rooookkkk, hruuummmm. Estes sons vieram aos meus ouvidos como uma bomba atômica. Acordei assustado. O meu companheiro de viajem estava esparramado no pequeno assento Leito. Barriga para o teto, boca aberta e um sofregar respiratório que nunca vi na vida. Mas o incrível que ao inspirar ele fazia hrummmm e ao expirar Roooook. Mas neste meio tempo entre o descanso de uma expiração e inspiração ouvia-se outro som como de um carro com motor a diesel. Olhei, para o Trua Istória e percebi que não era ele. Quando levantei um pouco vi a Cheirinho de Barata sentada e com o corpo tombado para a janela. Ela roncava com tanta força que acho que o vidro tremia. 
Eu estava encolhido num cantinho do assento Leito e estiquei o braço para tentar pegar o celular no bolso da frente da calça. Era tanto aperto que não conseguia me mexer direito. Fui empurrando o celular bolso acima, porque não dava para enfiar a mão para apanhá-lo. Pronto, depois de muito esforço e suor, consegui pegar o celular. Horas? Quatro e quinze. Ainda faltava muito chão para chegar em Brasilia e sobrava sofrimento daqueles dois. Trua Stória e Cheirinho de Barata não dava tréguas.

Continua….


Um comentário:

Anônimo disse...

Vou começar pelo final: doida para ler a continuação da “trua Istória”, para rir muito mais, pois esse texto está hilário!!!!!!

Não consigo parar de rir sempre que me lembro de você engolindo o mosquito (e veja pelo lado bom), você simplesmente engoliu... pior seria se tivesse mastigado (eca)!

Estou rindo da situação da mulher chegando até você (eu sempre fico rezando para não sentar ninguém ao meu lado: seja gordo, magro, alto, baixo etc) e assim como você, também teria mudado de lugar (mesmo que o lugar que fosse meu novo lugar estivesse com alguém já sentado)! Singeleza garfieldiana foi sensacional!!! Amei!

Rindo horrores com a sua “decepção” em relação ao leito!!!! O leito não poderia ser uma cama de casal?!? Claro que não!!!! Tinha que ser uma cama king sizer hiper mega super Plus macia e grande (grande foi redundante - kkkkkkkk)!!! Vai sonhando... ou então viage de avião naquelas cabines que mais parece a casa da gente em relação ao tamanho!!!!!!!!!

Meu Deus, bagagem de mão virou bagagem de uma mão! Muita astúcia ter percebido isso... pelo menos, vamos carregar menos supérfluos!

Salgadinho com cheiro de barata?!! Socorro!!!!
Penso que deveria ser proibido embarcar com comida que tenha cheiro!!!!!!

Cheiro de enxofre x Cheiro de barata! Dúvida cruel essa!!!!!

Rindo alto com as onomatopeias!!!!

Horrorizada com você, pois imaginava que você fosse alguém culto (e com uma capacidade de fugir das filigranas e de cara entender o que é “trua Istória”!)!!!!!!!!

Quando li “Trua Istório” lembrei do meu enteado caçula com o “nem que a vaca dentuça”!!!

E a pergunta que não quer calar: qual era o nome do filme?!?!?!