quinta-feira, 23 de maio de 2019

PARA UMA VELHINHA QUE VI ATRAVESSAR A RUA ONTEM

Mostre-me os relevos desta vida

Na aridez deste sorriso encontrei a umidade da tua face e dos teus olhos, guardado para apreciar a noite quando a lua dança no céu. 

O relevo dos teus lábios, sulcos cortados verticalmente, delineiam a atmosfera do desejo aonde encontra a mais bela flor deste deserto

Na palidez do seu olhar encontrei  caudalosas lágrimas de saudade. E passam pelas estações que aflora em outras estações. O trem passa e se vai, a estação fica, saudosa e solitária.

Mostra-me os raios de sol  
Mostra-me as manhãs de abril
Mostra-me os sonhos recortados em papel marchê
Mostra-me os anos fabulosos da tua mocidade
Mostra-me as correntezas da tua vida
Mostra-me as pedras para que eu desvie delas.

E vem o dias, vem horas, vem o mês inteiro  

Mostra-me tuas histórias, teus contos, teus passos.
Mostra-me as enrugadas  mãos, o rosto, os pés, os embranquecidos cabelos.
Mostra-me o seu coração pulsante

Sua voz já envelheceu
Seus movimentos, lentos ficaram

Os dias foram como chuva em terra desnuda, causaram marcas.
Os ventos secaram teus cabelos, tua beleza terna, tuas ilusões.
O relevo da tua vida mostra-te mais bela em teu avançar de idade.

Mostra-me o relevo da tua vida vivida em anos passados.
Teus amores, desamores...
Mostra-me seus passos de dança, de sonho, de esperança.

Atravessas a rua como quem atravessas a eternidade
Golpeia a lucidez de todos nós, mostrando-te ainda viva, atuante, inexplicavelmente bela.
Nossa vida vivida ainda não vale a pena se contada, a tua merecer

Quantos relevos a tua vida tem?
Quantas diversidades tem teus pensamentos?

Atravessava a rua lentamente como que dizia "hei! Ainda estou aqui para contar uma história"
Parei com a minha vida e observei o andar daquela velhinha  de vestido longo, cabelos brancos. 
Ela olho para trás e sorriu pra mim, com o olhar dizendo, pode vir a vida é apenas uma rua movimentada que se atravessa bem devagarinho.