quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Contos de um dia Calmo - Parte 2

Já aproximava-se das dezessete horas quando peguei meu chapéu, vesti meu paletó que estava pendurando na cadeira atrás de mim. Fechei a porta da sala e desci as escadas. A rua estava agitada naquela tarde de sexta-feira. O sol ainda se mantinha firme no céu. A rua ainda tinha aquele ar  bucólico de uma cidadezinha interiorana.  Dia calmo.
Sentei na mesma mesa que sentara naquela manhã. Dia de uma tarde calma...
Tirei o chapéu e o paletó  coloquei sobre a outra cadeira para que o vento não o levasse e fiquei ali pensando na calmaria de um dia calmo.
Há cheiros que registram momentos inesquecíveis. Cheiro atinge  o cérebro a buscar, em suas caixas, simbolismos e equivalências.  Gosto do cheiro de mato queimando. Gosto do cheiro da terra molhada, lembro-me da minha infância.
O dia calmo, de uma tarde calma de sexta-feira...
Um cheiro invadiu minhas narinas e despertou em meu cérebro símbolos e equivalências. Era ela. Como era bom aquele cheiro que vinha por de traz de mim. Olhei e lá estava ela caminhado pela calçada a favor do vento em minha direção. Obrigado amigo vento.
Ouvia agora o toque do seu salto no chão. Aquele toque-toque mantinha o rítmo com as batidas do meu coração. Lembro-me quando jovem de ter conhecido uma moça da escola e todas as vezes que a via o meu coração disparava e uma secura brotava na minha boca. Apaixonei por ela durante anos da minha vida calma. Ela se foi, casada com o gerente da estação ferroviária da cidade.  Assim eu me sentia agora com a boca seca e o coração acelerado. O dia ficou agitado dentro de mim novamente
Talvez eu deveria olhar nos olhos dela e perguntar ao menos seu nome. Não, pensei, isto poderia soar como um alcoviteiro que querem apenas galantear moças sozinhas. Talvez eu fingisse levantar e tentar acompanha-la por alguns passos. Eu não precisaria falar nada, ou apenas dizer boa tarde. Decidi. Vou levantar e acompanha-la, certamente não parecerei deselegante se comprimentá-la.
O sol estava de um vermelho lindo e ela vinha andando sendo sombreada pela luz que batia em suas costas. Aquela sombra, aquelas curvas do corpo são indiscutivelmente uma visão maravilhosa. A cada passo que dava, seu rosto saia da penumbra da sombra e se revelava majestoso. A tarde daquele dia calmo, tornou-se agitado. Dia Agitado..
Quando faltou alguns passos  eu me encorajei e levantei. Digo, meu amigo, levantei-me com as pernas ainda tremulas e a respiração ofegante, parecendo que havia saído de uma partida de futebol. Suava. Ela se aproximou mais e quando estava perto de mim, dei o primeiro passo. O passo mais desajeitado que um homem pode dar. Agora ela estava logo atrás de mim, um ou dois passos, não arrisquei olhar para traz. Andei cerca de um dez passos e fui diminuindo a distância e a velocidade dos passos quando me virei escutei uma voz lá de traz me chamar
- Senhor, senhor, gritava o garoto, seu chapel e seu paletó.
Ela olhou-me depois de olhar para traz também e sorriu. Eu olhei para ela como se quisesse continuar a acompanha-la pela rua inteira, pela cidade inteira até ela dormir nos meus braços, mas percebi a insistência do chamado do garoto. Quis fingir que não era meu, mas ele insistia. Quem e sã consciência perderia aquela companhia por um chapéu e um paletó esquecido na mesa de um café.
Ela estava sorrindo e disse: Acho que é com o senhor. Eu manejei a cabeça afirmando que sim e passei por ela na contra mão da vida, com vontade de não ir.
Final de um dia calmo...
Ela passou novamente por mim em uma tarde calma e se foi.
Peguei o chapéu e o paletó e fui-me para casa.

A quem pertence o sentimento de amor
Usa-me com tanta intensidade
maltrata-me com tamanha avidez
me faz sorrir
Me faz chorar
Engana-me e me prendes
Amor que vem com o vento

Amanhã será um dia calmo como todos o sábados nesta cidade. Tomara que não seja calmo pra mim.

Continua...



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