segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Para você

     Eu hoje escrevo uma carta para lhe contar como tenho passado. 

    Os anos tem chegado a minha porta e antes que eu consiga abrir, eles já entram e instalam rugas e cabelos brancos. 

    Bem certo que ando amando ver o amanhecer do dia com seu sol amarelado e fortemente armado de raios quentes que queimam minha pele  cada dia mais fina pelo tempo. 

    Ontem coloquei café na caneca que você me deu.  Ela anda desbotada e surrada pelos tantos cafés que ando tomando este tempo todo em que te espero.

    O café? ah o café ainda está quente desde a última vez que estivemos juntos. 

    Plantei um pé de uva no fundo do quintal. Uvas nos ensinam muitas coisas. Primeiro que elas precisam serem podadas todos os anos para que deem frutos. Segundo que elas não podem ser mimadas. Uvas não gostam de mimos. Gosto de uvas sem mimos. Elas são menores, mas são mais doces. Quando as folhas estão muito verdes e grandes, é sinal de que uvas  fartas nascerão.

    Lembro ainda dos cintos dependurados atrás da porta do seu quarto. Ainda tem essa mania?  E como temos manias quando envelhecemos. Temos tantas manias que parecemos um poço inesgotável delas.

    Eu ainda tenho mania de acordar de madrugada para tomar chá na copa escura e pensar o que se passa no mundo lá fora. Preocupo-me com o mundo. Talvez deveria preocupar menos, mas não consigo e assim bebo meu chá e preocupo com o mundo. Parece estranho. Sou estranho. Sou jeca. O mundo deixou de ser jeca a muitos anos. Gosto de ser jeca. Gosto dos tons dourados do sol e do verde dos olhos. Gosto do sorriso e da gargalhada das manhãs de verão.

    Minhas mãos, hoje estão tremulas e minha mente não mais tem as mesmas forças. Meus olhos precisam cada dia mais de óculos e meus pés de um caminho novo. Não sei se sabes, mas eu ando por estradas distantes nas minhas imaginações. Estradas muitas vezes me levam até você, mas me contenho, me abafo. tapo minha boca e meu coração. Não lhe permito saltar e ganhar o mundo... passarinho que ainda quer alçar voo. 

    Hoje acordei com vontade de lhe escrever e dizer tudo e não dizer nada. Abrir as caixinhas coloridas que você tanto odeia, mas que foram na minha juventude a válvula de escape em dias de chuvas emocionais. As caixinhas, necessárias no passado, hoje se tornaram obsoletas e somente ocupam espaço. Somente não as joguei fora porque guardo o seu sorriso, o seu perfume, os detalhes da suas unhas pintadas de vermelho. Sua gargalhada ainda está presente dentro das caixinhas coloridas. Estão guardadas as miniaturas que você colecionava. Guardado  estão também nossos olhares em secreto, sussurros abafados e declarações escritas em papel amarelado pelo tempo e pela memória. Muitas coisas estão guardadas lá dentro. Os infinitos cafés e os longínquos sonhos de jovens. 

    Talvez esteja velho mesmo. Já não tenho compromisso de esconder a verdade. Falo o que penso e sinto o que falo. Não me aborreço com o passado e nem me alavanco em rumo ao futuro. A idade é hoje.

    Minhas, são as verdades que não se duvidem. Afinal sou velho e velhinhos são todos bons e abrandam suas histórias  e  erros  torna-se coisas bobinhas quando as pessoas olham os cabelos brancos.

    Queria lhe dar copo-de-leite para  colocar num vaso perto do quadro. Queria mesmo era lançar mão da historia e escrever um sonho à dois, mas o passado é uma lenda e o sonho é uma ilusão.

    Queria finalizar, mas não estou aberto a finais, então arruma um tempo e passa aqui para tomarmos um café. A água está quente ainda. 

 

   

Um comentário:

Anônimo disse...

Estou esperando!